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Pe José Assis Pereira Soares



Paroco Pe. José Assis Pereira Soares
Paroco Pe. José Assis Pereira Soares

Pe. José Assis Pereira Soares 

Com que roupa eu vou ao banquete do Senhor

 

A imagem de uma refeição, um banquete ou de um “festim escatológico” está por trás da Palavra de Deus deste domingo. Através da refeição festiva, o ser humano supera a dimensão meramente instintiva do “comer e beber” a uma categoria humana e espiritual: fazer um banquete. Dar uma festa, o convidar os amigos a comer e beber na própria casa, sentar à mesa para uma refeição, no presente, anda perdendo seu sentido de comunhão e de partilha; a refeição ora é feita às pressas, ora acontece na frente da TV, cada um com seu prato servido, sem perceber o outro ao lado, sem gestos de partilha. Até as festas, com frequência ainda se realizam em torno da mesa mas, raras vezes, na mesa de casa, com pratos tradicionais, com base em receitas familiares passadas de geração a geração. Hoje, vai-se a restaurantes, tudo afetivamente insípido.

O banquete representa a comunhão de pessoas entre si, que compartilham alimentos, alegria, acontecimentos felizes, amizade, intimidade. No banquete parece que a vida se reconcilia: de dura e até hostil a vida se converte em alegre e pacífica, e por isso se alarga e se saboreia um banquete.

O profeta Isaías (cf. Is 25, 6-10) nos mostra a intenção salvífica de Deus que preparara “para todos os povos, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carnes suculentas, de vinhos depurados... Ele fez desaparecer a morte para sempre. O Senhor enxuga as lágrimas de todos os rostos.” (Is 25, 6.8) A partir deste texto, a ideia de festim messiânico se tornou corrente no judaísmo. “A descrição não pode ser mais sugestiva, fascinante e portadora de esperança. O próprio Senhor preparará este grande festim, para o qual estão convidados todos os povos da terra. Banquete pacífico de confraternização universal em que, respeitando-se as estruturas e diferenças humanas, se reconhecerá a soberania do Senhor, que é como dizer, a sua providência universal. Por causa deste banquete de suculentos manjares e vinhos generosos, o Senhor fará desaparecer as lágrimas, o luto e a tristeza do meio dos homens. Porque tirará dos seus olhos o véu terreno que os impede de ver as realidades divinas. Nascerá assim uma nova ordem das coisas, uma nova escala de valores regerá as relações humanas e divinas, que não mais voltarão a ser cortadas; a morte, assim, deixará de existir.” (Bíblia Litúrgica)

Na verdade em alguns momentos da vida pensamos que nossa existência não tem sido outra coisa, senão “um vale de lágrimas”, sofrimento ininterrupto. São tantos sofrimentos da humanidade! Sofrimento de povos inteiros sujeitos à pobreza extrema, a miséria. Sofrimento de tantos enfermos e doentes incuráveis em estado terminal, sofrimento de milhares de jovens presos nas garras das drogas, da perda de sentido da vida, suicidando-se... Sofrimento de famílias desestruturadas ou desunidas onde não há mais amor nem respeito nas relações familiares... São tantas lágrimas curtidas em tantos sofrimentos! “Uma lágrima, ‘dimá’ em hebraico, é uma palavra composta de sangue ‘dam’, de olho, ‘ayin’. Literalmente a lágrima significa o sangue dos olhos, água do espírito, as lágrimas de uma mulher banham os pés de Jesus (Lc 7,38) e movem seu coração (Lc 7,44).” (Miranda, 2000.) Mas, Deus não está alheio aos nossos sofrimentos. Ele recolhe nossas lágrimas em suas mãos, enxuga nossos rostos, como diz o salmista: “recolhe minhas lágrimas em teu odre!” (Sl 56,9)

Jesus tem consciência desta promessa messiânica de salvação que com Ele esses tempos chegaram e vai utilizar o cenário do banquete para expressar a realidade do Reino. Na parábola evangélica do “banquete de casamento do filho do rei” (cf. Mt 22,1-14) Jesus segue, através de parábolas dizendo aos judeus e às suas lideranças religiosas que eles foram os primeiros convidados, mas não os únicos. Também foram convidados ao banquete do Reino os povos não judeus. E mais, estes, os gentios, serão os primeiros a entrar no Reino, porque escutaram o Filho, a Jesus, e tem-no seguido. Os judeus, em troca, serão os últimos no Reino dos Céus, porque não têm acreditado em Jesus e negaram-no. Esta ideia veio se repetindo na liturgia dos últimos domingos.

Mateus e Lucas (cf. Lc 14,15-24) nos transmitiram esta, que é uma das parábolas mais sofisticadas do evangelho de São Mateus. O texto, por assim dizer, está dividido em duas partes. Na primeira cena um rei prepara um banquete por ocasião do casamento de seu filho, chama alguns convidados escolhidos a dedo. A festa está preparada, mas os convidados se comportaram de modo indigno, recusando o convite do rei e sendo até descorteses com os criados mensageiros ao ponto de os maltratarem e os matarem. O rei então dirigiu o convite a todos os que os criados encontrassem nas esquinas e ruas, maus e bons de modo que a sala do banquete se encheu. (cf. Mt 22, 1-10)

O ouvinte moderno poderia se escandalizar com um convite que, perante o pouco interesse dos convidados, se torna ameaça. Quem gostaria de receber um convite para uma festa sentindo-se forçado e ameaçado? E quem se é o dono de uma festa que se contentaria com hóspedes que comparecem à força? Por isso será mister não abusar, na explicação, de imagens que têm uma nítida conotação de outra cultura, de outros relacionamentos do soberano com os seus súditos. Importante é ver que ‘tudo está preparado’ (22,4). Aqui está um ponto totalmente fundamental para a interpretação da parábola. Nossa situação, hoje, como no tempo de Jesus, é esta: Deus preparou tudo. Simplesmente, tudo foi operado por ele. ‘Os animais cevados já estão batidos’; é, simplesmente, impossível parar a festa. Esta situação é maravilhosa. O homem que deveria esperar a sentença do Juiz, a criatura, que atemorizada, se prostraria diante do Criador Santo, recebe o insistente convite: ‘vinde às núpcias’... Em Jesus Cristo, na sua pregação, na sua obra e na sua morte, dirigiu-se aos homens o último apelo definitivo para o perdão, para a reconciliação com eles mesmos e com Deus. Aqui aparece a verdadeira dimensão da perversidade de quem, esquecido da voz da consciência, entrega-se às garantias certas, porém... mortais de um mundo que passa.” (Homer e Bouzon, 1978.)

A segunda parte da parábola sobre a “veste nupcial” (cf. Mt 22, 11-14), pensam os intérpretes tratar-se de um acréscimo, talvez uma parábola independente, sobreposta à original dos vv. 1-10.

Amigo, como entras-te aqui sem a veste nupcial?” (Mt 22,12) O que nos choca, ao menos à primeira vista, nesta parábola é o convidado ser colocado para fora da sala do banquete por não estar vestido com o traje de festa. Se o rei havia ordenado a seus criados que a todos os que encontrassem pelo caminho, bons e maus os convidassem à festa de casamento de seu filho. Por que agora se irrita tanto ao constatar que entre estes convidados há alguém mal vestido e pouco preparado para participar da festa? Não parece lógico exigir que os convidados das esquinas e ruas estejam preparados para o banquete nupcial. Não obstante deveríamos supor que na semiótica da veste com que se quer gerar o texto, todo mundo inclusive os mais pobres, sempre encontraram uma roupa mais decente para ir a uma festa, a um banquete, do contrário não teria sentido os versículos 11-14. Mas a pouca lógica na narração da parábola não deve ocultar-nos a verdadeira intenção da mensagem que Jesus queria transmitir aos seus ouvintes. Não devemos perder de vista que a parábola ele a pronunciou para manifestar a festa da liberdade de Deus que chama a todos que ele encontra. Mas, o fato do convite: “Tudo está pronto. Vinde às núpcias”, seja para todos, em nenhum caso queria dizer que os convidados possam assistir às bodas sem a preparação devida, sem o “traje de festa”.

Às vezes se reduziu ingenuamente este “traje”, às condições necessárias para receber a comunhão sacramental. Mas é algo muito mais amplo. O convidado que não tinha o traje festivo reflete o cristão que não se reveste das mesmas atitudes e sentimentos de Cristo, não sendo sincero ou coerente. A todos os convidados, aos primeiros e aos últimos, aos judeus e aos gentios, se nos exige para entrar no Reino dos Céus uma disposição interior e exterior adequada, se nos exige, sobretudo, a limpeza de coração, a conversão da alma. Este é o traje de festa.

Rico e pobre precisam da veste nupcial. Não basta ser batizado para ter direito de participar da comunhão com Deus. a veste nupcial significa a vivência dos valores evangélicos. O próprio Jesus advertiu: “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas quem fizer a vontade de meu Pai” (Mt 7,21). A prática dos valores evangélicos nos cobre como uma veste (Ap 19,8), ou, como a pele no corpo. Na carta aos Gálatas, São Paulo tem um capítulo sobre as práticas cristãs e menciona como valores: a caridade, a alegria, a paz, a compreensão, a afabilidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o autocontrole (Gl 5,22-23). Dentro dessas qualidades estão o desapego, o acolhimento, o perdão, a partilha. Todos são chamados. Deus quer a comunhão com todos. Mas é preciso que nós queiramos participar da comunhão com Deus. E o queremos com o nosso comportamento.” (Neotti, 2001.)

Em que estaria pensando o autor do evangelho de Mateus quando escreveu esta parábola? Certamente em sua própria comunidade. Estaríamos, segundo os estudiosos diante da reconstrução alegorizante da comunidade de Mateus, que viveu a realidade da destruição de Jerusalém (70 d.C), quando o evangelho foi escrito, parecendo esta destruição como uma consequência da recusa frontal ao convite do Senhor. A comunidade podia sentir-se agradecida porque Deus os havia convidado a eles, os de fora, os que não viviam segundo a lei, nem estavam na relação do povo de Deus a entrar em seu banquete, o seu Reino. Sim, tinham razão de sentirem-se agradecidos. Mas, não de sentirem-se superiores aos outros. Aqui residia o perigo. É fácil sentir-se bom, quando alguém é visto como pior. Confundimos o “ser bom” com o “ser melhor” que os outros. Mas, ser bom é encher a própria medida, e não ficar com medidas acima dos outros. Os membros dessa comunidade cristã tão particular tiram consequências novas com o objetivo de saber responder sempre ao convite que o Senhor se lhes faz.

Nem nos tempos da comunidade de Mateus, nos primeiros anos do cristianismo, nem agora podemos pensar que a salvação, a comunhão com Deus, a participação no seu Reino, a entrada na sala do banquete, é problema exclusivo de Deus que convida. Todos os convidados estamos obrigados a responder adequadamente ao convite. “Deus que te criou sem ti, não poderá salvar-te sem ti”, dizia Santo Agostinho.

 

Bibliografia:

Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.

Vários autores. Comentários à Bíblia Litúrgica, Portugal, Gráfica de Coimbra 2.

Miranda, Evaristo Eduardo. Corpo, Território do Sagrado. São Paulo, Loyola, 2000.

Romer, D. Karl Josef; Bouzon, Emanuel. A Palavra de Deus no anúncio e na oração. São Paulo, Paulinas, 1978.

Neotti, Clarêncio. Ministério da palavra, comentários aos Evangelhos dominicais e fstivos, Ano A. Petrópolis, Vozes, 2001.

 

Comunidade, lugar do perdão e da oração

 

 

Padre José Assis Pereira Soares

Paróquia de Nossa Senhora de Fátima

Campina Grande/PB

 

Comunidade, lugar do perdão e da oração

Na comunidade eclesial, na família ou nas relações interpessoais: tensões, conflitos ou desentendimentos são inevitáveis. Como a comunidade cristã reconhece e lida com o que errou? A Igreja hoje rodeada de tantos conceitos de tolerância e de não exclusão tem consciência de que não é perfeita; não é uma “seita de puros”, comunidade de perfeitos, mas de homens e mulheres que, em meio a limitações e fraquezas humanas, caminham como irmãos e irmãs que se ajudam a seguir o Senhor. Mas ela deve ser reconciliadora. Para a sua própria sobrevivência a comunidade cristã busca restabelecer a unidade perdida e a convivência fraterna através da correção dos seus membros entre si, a “correção fraterna”, um preceito evangélico e uma tradição da própria Igreja. A prática pedagógica da correção fraterna é um meio de conversão e de solidariedade com o outro. A Igreja toda tem o absoluto dever de viver em permanente estado de conversão e jamais se acomodar ao mal, ao pecado, por isso agirá sem radicalismo, com tolerância para com o pecador penitente. Os cristãos, a Igreja sempre teve consciência que deveria ser no mundo um exemplo e instrumento do perdão e da reconciliação.

A Palavra de Deus hoje nos adverte que a salvação é incompatível com toda classe de individualismo e egoísmo. Não há justiça em quem não se sente responsável pela desgraça de seu próximo, ainda que ele mesmo a tenha buscado. Eu sou o vigia de meu irmão. Deus o pôs ao meu lado para que eu tome conta dele, porque é a vontade de Deus que ninguém se perca; somos vigias ou responsáveis uns pelos outros nesta aventura de salvação.

O profeta Ezequiel, aparece entre os primeiros exilados para a Babilônia por Nabucodonosor, no ano de 597. O profeta vive a experiência de ver Jerusalém sitiada e destruída pelos babilônios e de viver no exílio junto com os deportados. Mas, em meio à destruição e a desesperança Ezequiel aplica a si próprio a bela imagem, da sentinela ou vigia que guarda a cidade. “A ti filho do homem, te pus como atalaia para a casa de Israel. Assim, quando ouvires uma palavra da minha boca, hás de avisá-los de minha parte...” (Ez 33, 7)

Na missão de Ezequiel Deus parece responder àquela pergunta que Caim lançava quando fingiu não saber onde estava seu irmão Abel, que ele o havia matado: “Acaso sou eu o vigia de meu irmão?” (Gn 4,9b) Tais palavras proferidas diante de Deus, que é seu Pai, matam de vez o irmão. Deus continua a nos perguntar, a nos incomodar: “Onde está o seu irmão?” (Gn 4,9) Ou eu me torno responsável por meu irmão ou o excluo da minha vida, exatamente como se o matasse.

“Ezequiel compreendeu a sua missão. Estava muito habituado a ouvir os gritos das sentinelas quando se avizinhava algum perigo. O povo também compreendeu a imagem, bem como o novo significado de profeta. A partir de agora, ele será isso mesmo: a sentinela de um povo sem cidade e sem muralhas, o atalaia que há de avisar dos perigos que espreitam o povo, não de fora – estranho paradoxo – mas de dentro, do próprio Senhor. No desempenho de sua missão deverá interpelar tanto o justo como o ímpio; ao primeiro, para fortalecê-lo; ao segundo, para que se converta. O que era mais difícil de assimilar, era que a missão de Ezequiel tinha por alvo cada um deles, direta e imediatamente, que deviam dar uma resposta positiva ou negativa a nível pessoal e individual, porque coletivamente, estavam condenados. Um profeta é isso mesmo. Alguém que sabe insistir, a tempo e fora de tempo, segundo as exigências de Deus.” (Bíblia litúrgica)

Segundo a tradição bíblica o profeta não é um adivinho, nem um futurólogo fatalista que prediz catástrofes inevitáveis, mas alguém que se sente chamado por Deus para pregar em seu nome, a conversão das pessoas para evitar males futuros. O interessante é que a responsabilidade do profeta não termina aqui, ele deve seguir mais adiante. À sentinela basta dar o alarme; se o escutam ou não, já não é sua responsabilidade. Não é assim o profeta: ele deve advertir do mal que se avizinha e deve convencer seus ouvintes, porque ele fala como porta-voz de Deus e anuncia a sua Palavra em sua integridade, seja uma palavra de esperança ou de julgamento. Ele expressa o desejo de Deus de salvar a humanidade e que ninguém se perca. E o profeta, como cada um de nós, é responsável de ter ou não anunciado a todos a Palavra de Deus.

O Evangelho escrito por Mateus se caracteriza por uma narração da atuação de Jesus composta por uma serie de ensinamentos em forma de discursos, relacionados com a vida das primeiras comunidades cristãs. O capitulo 18 se chamou de "discurso eclesiástico", porque contém normas de comportamento básicas de uma comunidade cristã: perdão, compreensão, solidariedade. Hoje consideraremos duas indicações deste discurso (cf. Mt 18,15-20): a chamada “correção fraterna” e o valor da oração em comum.

“Alguém já disse que a correção fraterna é um preceito evangélico, na maioria das vezes, não observado, que é muito difícil que se possa encontrar um homem capaz de cumprir de maneira devida a correção do seu próximo. De fato, quase não se pratica a correção fraterna. Somos capazes de ficar indignados e de sentir-nos escandalizados; somos capazes de criticar e espalhar aos quatro ventos o erro do próximo, mas achamos difícil corrigir como irmãos, de acordo com o método e o espírito que nos são propostos pelo Evangelho.” (Cencini, 2003.)

“Se teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir ganhaste o teu irmão. Se não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas. Caso não lhes der ouvido, dizei-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja der ouvido, trata-o como o gentio ou o publicano”. (Mt 18,15-17)

A correção fraterna está a serviço do cuidado do irmão que pecou. “Diante do mal, efetivamente, torna-se natural a rejeição ou a condenação. Sentimo-nos muito justos ou pecadores sem esperança; juízes inflexíveis ou acusados sem defesa; fingimo-nos indiferentes ou combatemos guerras impossíveis. Correção fraterna quer dizer, porém, aprender a conviver com o mal próprio, e depois também com o dos outros. Ou melhor, é uma maneira de carregar nas costas a fraqueza do irmão. E acaba por se tornar a mais clara e a mais convincente manifestação do amor fraterno, porque não há amor maior do que aquele de quem vai ao encontro do irmão pecador, de quem se sente responsável e dá sua contribuição para que ele se emende, de quem se deixa corrigir e corrige o outro, de quem carrega o outro nas costas e se deixa carregar.” (Ibid. Cencini.)

Com o ensinamento da correção fraterna Jesus não está propondo algo ideal, mas uma prática pedagógica real no interior da comunidade cristã, que não se vê como perfeita, mas que entende o pecado como um comportamento que atinge a toda comunidade. Pois, ainda que o pecado seja individual, tem uma dimensão comunitária. Por isso, também o perdão tem a ver com a Igreja-comunidade. Na comunidade nos sustentamos e nos corrigimos uns aos outros. A correção se dá através de três níveis ou intervenções: A primeira intervenção é a admoestação ou advertência pessoal, discreta e confidencial: “Se teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir ganhaste o teu irmão.” (Mt 18,15) Jesus ensina que ninguém pode descomprometer-se de seu próximo. Ele considera que todos somos irmãos e irmãs e ninguém pode pensar somente em si próprio. Por isso quando alguém age mal, temos a obrigação de corrigi-lo, de adverti-lo de seu erro. E isso feito por amor e com amor. Buscando o bem do outro e não nossa própria satisfação. A correção há de ser fraterna, de irmão a irmão, a sós e com prudência; no mínimo com o desejo sincero de ajudar a levantar quem caiu. Porque todos somos pecadores. Sem dúvida, se o pecador se arrepende, terá salvado a um irmão para a vida eterna.

A segunda interferência se dá na presença de alguns membros da comunidade, para dar maior peso à advertência: “Toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas.” (Mt 18,16)  O conselho de Jesus se refere à norma dada pelo Deuteronômio: “Uma única testemunha não é suficiente contra alguém, em qualquer caso de iniquidade ou de pecado que haja cometido. A causa será estabelecida pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas”. (Dt 19,15) Três pessoas vêem melhor que uma só. Trata-se de pecados graves que afetam a comunhão, a comunidade e para isso se deve seguir a antiga práxis judaica da admoestação com testemunhas.   

A terceira e última intervenção se dá com toda a comunidade: “Se nem mesmo à Igreja der ouvido, trata-o como o gentio ou o publicano.” (Mt 18,17) A última instância é toda a Igreja local. A intervenção de toda a comunidade é para recordar a atitude de fechamento do irmão, de sua auto-exclusão do seio da própria comunidade. “Na verdade o que Jesus queria era proteger o amor fraterno, não deixar que sua Igreja se tornasse uma seita, isto é, um grupo fechado sobre si mesmo, que excluísse do convívio os ‘pequeninos’, os ‘fracos’, os que errassem. Isso seria fomentar divisões, matar a comunidade... É grande o perigo de a comunidade querer ser um canteiro de observantes, puros, piedosos, com exclusão dos outros, assim eram os fariseus.” (Neotti, 2001.)

Como que para dizer que a verdadeira correção fraterna deve-se dar em clima de oração, Jesus acrescenta um ensinamento sobre a oração: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.” (Mt 18,20) A presença de Jesus na comunidade faz dela o lugar do perdão dos pecados e a mesma presença faz que a oração eclesial seja ouvida por Deus, conferindo assim um valor especial à oração comunitária. “O perdão tem gosto de oração. A oração comunitária é expressão de unidade e de amor fraterno, ou seja, de pessoas pacificadas entre si e com Deus. Na oração feita em clima de perdão, e no perdão dado e recebido em clima de oração, Deus se faz presente. O que nos vem lembrar que o perdão dado e recebido não pode basear-se apenas em critérios humanos.” (Ibid. Neotti.)

A oração comum enriquece sobremaneira nossa oração pessoal. Isso não exclui a necessidade de que tenhamos experiências de perdão e de oração pessoais, mas há mais sentido quando tudo isso se integra na comunidade eclesial, na vida comunitária como lugar do discipulado, do perdão e da oração.       

A Bíblia: nas palavras, a Palavra



Para os católicos do Brasil, este é o mês da Bíblia. A razão é simples: 30 de setembro é memória litúrgica de São Jerônimo, grande estudioso da Sagrada Escritura, que, no século IV, traduziu toda a Bíblia do hebraico e do grego para o latim, popularizando a Palavra de Deus. Essa tradução tornou-se tão difundida que recebeu o apelativo de “vulgata”, isto é “popular”.

A Bíblia não é um livro único; é uma coleção de 72 escritos, produzidos num arco de cerca de 1.300 anos. Neles está contida a Palavra de Deus, porque foi o próprio Espírito do Senhor que, misteriosamente, como só ele sabe fazer, inspirou tudo quanto os autores sagrados escreveram. É um incrível e admirável mistério: por trás das palavras humanas dos autores daqueles textos está a Palavra única do próprio Deus. As palavras da Sagrada Escritura são tão humanas: há erros gramaticais, erros de história, erros de ciência; há o modo de escrever próprio de cada autor humano e até mesmo seu modo de pensar pode ser descoberto naqueles dizeres tão humanos... Na grande maioria dos casos, nem mesmo os autores sagrados imaginavam que o que estavam escrevendo eram textos inspirados pelo Senhor... Foi o povo de Israel no tempo da antiga aliança e, depois, nestes tempos da nova e eterna aliança, foi a Igreja católica, inspirada pelo Espírito que permanece nela e a conduz sempre mais à verdade plena, quem foi discernindo quais escritos eram inspirados por Deus e quais não eram... Só a Igreja tem a autoridade de fazer esse discernimento; e ela o fez, com a autoridade que o Senhor lhe concedeu e a assistência divina do Espírito Santo que Cristo Jesus lhe garantiu.

Mas, que se esteja bem atento: Deus não se revelou na Bíblia! Revelou-se na história do povo de Israel e, na plenitude dos tempos, revelou-se de modo pleno na Pessoa de Jesus Cristo, o próprio Filho eterno feito carne, feito homem. A Palavra de Deus por excelência não é a Bíblia; é Jesus Cristo, o Verbo, a Palavra que se fez carne e habitou entre nós! A Bíblia nos traz o testemunho dessa revelação: ela é palavra de Deus porque nos traz a Palavra que é Jesus; de modo que nas palavras da Bíblia, encontramos a Palavra de Deus e esta Palavra é o nosso bendito Salvador, Jesus Cristo! Do Gênesis ao Apocalipse a mensagem última das Escrituras Sagradas é sempre Jesus: Jesus prometido, preparado e anunciado no Antigo Testamento; Jesus aparecido, entregue, contemplado, aprofundado, adorado e proclamado no Novo Testamento. São João da Cruz, num de seus escritos, assim imagina o Pai nos falando: “Já te disse todas as coisas em minha Palavra; põe os olhos unicamente nele; porque nele tenho dito e revelado tudo, e nele encontrarás ainda mais do que desejas saber. Este é o meu Filho amado: escutai-o”.

Assim sendo, não cremos na Bíblia; cremos em Jesus e só a ele adoramos! Não amamos Jesus por causa da Bíblia; amamos a Bíblia por causa de Jesus! É ele o centro, é ele a Palavra única do Pai! Quando escutamos, quando lemos as Escrituras e nelas meditamos, em última análise é Jesus mesmo que encontramos, com sua salvação, sua vida, sua plenitude, aquela da qual recebemos graça sobre graça! Por isso, no caminho de Emaús, em cada Missa e até mesmo em cada vez que entramos em contado com a Sagrada Escritura, Jesus mesmo nos fala dele e nos revela no texto sagrado tudo quanto diz respeito a ele e ao plano de salvação do Pai que ele, o Filho amado, veio realizar.

Assim é que a Igreja, escutando as Escrituras, escuta o próprio Deus que nos fala em Jesus e tudo quanto ali está escrito torna-se uma palavra viva para nós, tudo quanto Deus revelou na história do seu povo e maximamente em Jesus Cristo, torna-se presente na vida da Igreja e na nossa, que somos membros do seu Corpo. Pensando bem, é impressionante pensar que Deus nos fala: fala à sua Igreja, fala a cada um de nós, na sua Palavra que é Jesus!

Mas, a Escritura somente revela o rosto do Senhor e desvela seu amor divino a quem a escuta com um coração fiel e humilde. O curioso, o soberbo, o descuidado, nada encontrará a não ser uma coleção de textos antigos, do passado... No entanto, quando escutamos e lemos essas santas palavras - que trazem a Palavra que é Jesus - em docilidade ao Santo Espírito e em comunhão com a santa Igreja, então, a Escritura torna-se doce como o mel, luminosa como o sol do meio-dia, profunda como o céu e cortante como espada de dois gumes. Mas, atenção: a Escritura não foi dada a cada pessoa de modo privado, individual... A Sagrada Escritura foi dada à Igreja e somente é Palavra viva na vida da Igreja Povo de Deus! Ouvir ou ler a Escritura fora da mente e do coração da Igreja é ser condenado a não colher seu sentido unitário e profundo. Ela é como um álbum e família, o álbum da nossa família. Alguém estranho à família pode pegar as mesmas fotos, olhá-las, saber os lugares e as situações documentados nas fotografias... Mas, somente quem é da família sentirá o coração vibrar, somente quem vivenciou aquelas histórias, com aquelas tonalidades e acentuações pode realmente compreender o sentido das fotos... É assim com a Bíblia: nascida na Igreja, confiada à Igreja para guardá-la, ouvi-la, meditá-la, amá-la, celebrá-la na Eucaristia (Palavra feita carne na carne de Cristo) e levá-la ao mundo como anúncio e testemunho de Jesus Salvador, somente na Igreja pode ser colhida em todo o seu sentido e verdade. Fora da Igreja, a Escritura é palavra feita pedaços, feita confusão, é texto submetido ao capricho de mil pretextos, que o desvirtua e faz esconder mais que revelar o verdadeiro rosto de Jesus.

Experimente: tome a Escritura (pode ser a leitura da Missa de cada dia), escute-a com o coração, medite-a com amor e procure escutar o que o Senhor diz à Igreja e a você. Sua vida encher-se-á de nova luz – aquela luz que é o próprio Cristo, Palavra do Pai!

 

O PERDÃO SEM LIMITES

 

O perdão sem limites

 

No domingo passado vimos que a comunidade cristã é o lugar do perdão e da oração; assim reconciliada e orante ela também se torna o lugar privilegiado da presença de Jesus. Porém, realizar a reconciliação no interior da comunidade cristã requer o perdão constante e repetido.

O Apóstolo Pedro perguntou a Jesus acerca dos limites do perdão: “Senhor quantas vezes devo perdoar ao irmão que pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu-lhe: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.” (Mt 18,21) Sua resposta significa sempre e em todas as ocasiões; não há porque contar as vezes que se há de perdoar, Deus não age assim.

A "revolução" que traz Jesus aos seus contemporâneos, é precisamente o amor e o perdão. Os judeus consideravam amar e servir ao próximo, só os que eram os verdadeiramente próximos, quase familiares. Eles eram capazes de perdoar, mas tinham sua lei do talião: "o olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.” (Ex 21,24). É verdade que aquela lei visa a limitar os excessos da vingança, porque nos tempos do Antigo Testamento e fora dos âmbitos do povo de Deus, a "justiça" supunha que qualquer ofensa devia ser castigada ou vingada com a morte. No passado o método para compensar as injustiças recebidas e para desencorajar alguém de praticar outras era muito rápido; praticava-se a vingança com a maior violência possível: ”Eu matei um homem por uma ferida, uma criança por uma contusão. É que Caim é vingado sete vezes, mas Lamec, setenta e sete vezes!” (Gn 4,23-24) A igualdade "de tamanho" entre a ofensa e o castigo foi já uma evolução, algo positivo.

O livro do Eclesiástico é uma obra monumental por sua amplidão de temas sapienciais, catequéticos e teológicos. Foi escrito provavelmente no século II a.C.; o autor Jesus Ben Sira, mestre de sabedoria em Jerusalém defende que é necessário ir além da simples justiça e abrir o coração a sentimentos mais nobres de misericórdia e perdão: “O rancor e a cólera, também esses são abomináveis, o pecador os possui. Aquele que se vinga encontrará a vingança do Senhor que pedirá minuciosa conta de seus pecados. Perdoa ao teu próximo seus erros, e então, ao rezares, ser-te-ão perdoados os teus pecados.” (Eclo 27,33-28,1-2) Estas sentenças de Ben Sira significam a abolição da Lei do Talião. Mas Jesus rompe essa lei de moderação da vingança para estabelecer o perdão total, vivido em comunidade, de forma ilimitada, absoluta, “de coração”, ou seja, no mais íntimo de nós. Deve-se perdoar até aos inimigos. É neste contexto que Jesus propõe aos discípulos a parábola evangélica sempre e sem qualquer reserva do servo sem compaixão (cf. Mt 18,23-35).

A párabola é genuinamente de Jesus e conclui o seu “discurso eclesiástico” no evangelho de São Mateus. “É um esclarecimento prático e concreto. A vingança era uma lei sagrada em todo o Oriente; o perdão era humilhante. A nossa parábola é como que um drama em quatro atos: dívida, misericórdia, crueldade e justiça” (Biblia Litúrgica). Na parábola se quer por o exemplo do rei ou senhor; para os Santos Padres da Igreja o rei representa Deus, mas é igualmente certo que o rei é e não é Deus, pois no terceiro ato da parábola, a crueldade não condiz com a misericórdia de Deus. O foco está sim no perdão entre as pessoas. Jesus ensina aos seus discípulos que o perdão não tem medida. O perdão quantitativo é uma miséria, já o perdão qualitativo, infinito, rompe todos os espaços da vingança.

Na parábola um funcionário real, na hora de prestar contas ao rei, revela-se incapaz de saldar a sua dívida. É uma verdadeira fortuna, “dez mil talentos”, quase cento e setenta e quatro toneladas de ouro: quantia exorbitante, escolhida intencionalmente. Em suma, trata-se de uma dívida impagável. O senhor então ordena que o funcionário e sua família sejam vendidos como escravos. Mas, o dinheiro obtido com a venda de tudo e de todos seria uma quantidade ridícula, absolutamente desproporcional à dívida. A ordem de venda pretende unicamente realçar a indignação do senhor perante a dívida daquele servo; Este reage suplicando e prometendo: “Dá-me um prazo e eu te pagarei tudo.” (Mt 18, 26) Perante a humildade e a submissão do servo, o senhor deixa-se dominar por sentimentos de misericórdia e perdoa a dívida impagável. Esse devedor perdoado, que experimentou a misericórdia do seu senhor, no entanto, se recusou a perdoar um companheiro que lhe devia uma ínfima quantia, “cem denários”, menos de trinta gramas de ouro. Repete-se então a cena que ele mesmo tinha protagonizado diante do senhor: o companheiro aos seus pés suplica e promete: “Dá-me um prazo e eu te pagarei.” (Mt 18,29) Mas neste caso, tudo é inútil e mete-o na prisão até lhe pagar tudo quanto devia.

Efetivamente, tudo é desproporcional nesta parábola, e por isso podemos falar da parábola das desproporções ou das perplexidades. A desproporção entre as duas dívidas e, por outro lado, a diferença de atitudes e de sentimentos entre o rei, capaz de perdoar infinitamente e o servo, incapaz de se converter à lógica do perdão, nos deixa perplexos. Desta diferença de comportamentos resulta a atitude dos companheiros do funcionário, chocados com a sua ingratidão, informaram ao senhor do sucedido; e ele, escandalizado com o comportamento do seu funcionário, castigou-o duramente.

“A parábola descreve as relações  do homem com Deus e dos homens entre si. A dívida de dez mil talentos, impagável fosse como fosse, simboliza a situação do homem pecador, de todos os homens, a quem Deus perdoa por pura graça. A atitude do servo impiedoso retrata a ruindade do coração humano. Devemos cem denários uns aos outros. Uma ridicularia em comparação com o que nos foi perdoado. Qual deve ser a reação do homem para com o próximo? Deus oferece a graça do seu perdão de uma maneira que o homem não podia prever. Mas retira essa onda de indulgência jubilar aos corações ruins que se recusam a perdoar ao próximo. E no dia do juízo o devedor impiedoso será medido com a medida da justiça.” (Bíblia Litúrgica)

A parábola convida-nos a analisar as nossas atitudes e comportamentos face aos irmãos que erram. Somos mais duros uns com os outros que Deus. É mais normal que os reis ou os senhores não tenham essa piedade que mostra o rei desta parábola com seus servos. É intencional a escolha dos personagens. O servo sem piedade se arrasta até o inconcebível com o intuito de salvar sua vida; é lógico. Não poderia ter sido ele um rei perdoando a alguém como ele, ao seu companheiro de dívidas? Os que estão na mesma escala deveriam ser mais solidários. Mas não é assim! Revelamos frequentemente em nossas relações interpessoais verdadeira dureza de coração. E é uma desgraça ser duros de coração. Somos compreensivos consigo mesmo, e queremos e assim exigimos que seja Deus conosco, mas não fazemos o mesmo com os outros irmãos. Por quê? Porque somos lentos à misericórdia. Por isso a famosa expressão: “perdoo, mas não esqueço”. Isso não é nem divino nem evangélico. É, pelo contrário, o empobrecimento maior do coração e da alma humana. O melhor não obstante, seria perdoar e esquecer.

“Em geral, as coisas que nos magoam não chegam a ser graves: um favor que não nos agradecem, uma recompensa que esperávamos e nos é negada, uma palavra menos grata que nos deixam cair quando nos sentíamos mal dispostos ou cansados... pode também acontecer que alguns dos agravos que nos fazem sejam sérios: calúnias sobre pessoas que mais amamos neste mundo, interpretação distorcida de ações praticadas com toda a retidão de intenção... Seja o que for, para perdoarmos com rapidez, sem que nada nos fique na alma, precisamos de um coração grande, orientado para Deus. Essa grandeza de alma levar-nos-á a pedir pelas pessoas que de uma forma ou de outra, nos prejudicaram... viveríamos mal o nosso caminho de discípulos de Cristo se ao menor atrito – no lar, no escritório, no trânsito... –, a nossa caridade se esfriasse e nos sentíssemos ofendidos e desprezados. Às vezes em matérias mais graves, em que a desculpa se torna mais difícil –, façamos nossa a oração de Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Noutros casos, bastar-nos-á sorrir, retribuir o cumprimento, ter um pormenor amável para restabelecer a amizade ou a paz perdida. As ninharias diárias não podem ser motivo para perdermos a alegria, que deve ser profunda e habitual na nossa vida.” (Carvajal, 1991.)

Não é fácil perdoar sem limites e sempre. São muitas as pessoas que dizem que elas são até capazes de perdoar mas, que nunca poderão perdoar e esquecer aqueles que lhes fizeram muito mal. E, assim como elas entendem o perdão, tem razão. Perdoar não é esquecer. O coração humano tem umas leis e exigências que não se podem mudar facilmente. Há ofensas que afetivamente não podemos esquecer nunca, por mais que tentemos. Mas o perdão cristão não exige o esquecer. Perdoar cristãmente a uma pessoa que nos ofendeu é não desejar nada de mal para ela e pedir a Deus que lhe ajude a converter-se e a ser feliz fazendo o bem. Não podemos esquecer o que nos fizeram, mas não vamos intentar devolver-lhes mal por mal.

“Há três tipos de homens: os que recebem o bem e reagem fazendo o mal – são os malvados; há os que pagam o bem com o bem e o mal com o mal – são os justos; por fim, há os que respondem ao mal com o bem, – somente estes se comportam como filhos de Deus... O perdão de Deus não é uma passada de esponja que apaga o que aconteceu. Deus não cobre com um manto as coisas mal feitas dos homens, Deus não fecha os olhos fingindo não ter visto o que aconteceu. Isto não é perdão... Deus manifesta a sua misericórdia, realiza o seu perdão quando transforma o homem e o conduz à conversão, quando provoca uma mudança interior, quando do egoísmo o conduz ao amor efetivo e a atitudes dignas dos filhos de Deus. Para nós também perdoar quer dizer, sem dúvida, abrir o coração para acolher quem errou, quer dizer disponibilidade para não conservar rancor contra quem nos causou contrariedades, mas quer dizer também um compromisso positivo para esclarecer o irmão sobre o erro que cometeu, quer dizer ajudá-lo para que ele recomece a construir novamente a sua vida.” (Armellini, 1998.)

O perdão cristão é filho do amor cristão, que tem pouco que ver com o amor afetivo e passional. Não posso amar-lhe, nem perdoar-lhe afetivamente, mas o amo e o perdoo cristãmente. É neste sentido o que Cristo nos manda que perdoemos até setenta vezes sete, quer dizer, sempre, aos que nos tem ofendido